Considerando as dificuldades de se estabelecer premissas que balizassem a evolução da economia brasileira em 2020, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) divulgou no final de Mar/20 (lembrando que o primeiro caso registrado de contaminação pelo COVID-19 no Brasil foi em 26/02) três cenários possíveis para o desempenho do PIB brasileiro. Daqueles cenários, o “Otimista” previa um crescimento acumulado do PIB de 0,1% no ano, enquanto o “Pessimista” previa uma queda de 2% em 2020. Para os dois primeiros trimestres do ano, o cenário “Pessimista” previa quedas de 0,9% e 2,8% em relação ao mesmo período de 2019, respectivamente. De acordo com os números divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro foi de -2,5% no primeiro trimestre e de -9,7% no segundo trimestre – pior do que qualquer cenário pessimista projetado.
Esse desempenho, embora possa ser percebido em nosso bairro através do posto de combustíveis que fechou, do tradicional restaurante que não atende mais, da placa de “aluga se” que agora ocupa a fachada do que antes era uma vistosa loja de móveis, não se reflete nos números de pedidos de recuperação judicial e / ou falência apurados pela Serasa Experian nos oito primeiros meses de 2020, se comparados ao ano anterior.
Analisando-se o período de março a agosto de 2020 (período de plena pandemia), observa-se que tanto o número de pedidos de recuperação judicial quanto de falências, de todos os portes de empresas, ficou abaixo do apurado em 2019, apesar do péssimo desempenho da economia deste ano comparado ao já pífio desempenho de 2019. De janeiro a agosto de 2020 868 empresas ingressaram com pedido de recuperação judicial, enquanto em 2019 936 recorreram a este instituto no mesmo período. Nesse mesmo período as falências requeridas totalizaram 672 e 974 em 2020 e 2019, respectivamente.
Embora a redução do número de pedidos de recuperação judicial tenha sido observada para todos os portes de empresas, as Micro e Pequenas Empresas apresentaram um crescimento de sua participação relativa no total de pedidos de Jan-Ago/19 para Jan Ago/20, o que pode ser explicado, em parte, pela maior vulnerabilidade desse segmento à crise.
Como explicar o aparente paradoxo economia em crise e redução do número de pedidos de recuperação judicial?
Em 2019, o aumento do número de pedidos de recuperação judicial coincidiu com a discreta recuperação da atividade econômica no segundo e terceiro trimestres, não com o crescimento zero do primeiro, observando-se, assim, um hiato temporal entre o período de crise e os efetivos pedidos. Além de fatores objetivos como redução do volume dos negócios e falta de liquidez, algumas questões de ordem mais comportamentais (tais como expectativa de condições de negócios mais favoráveis e / ou falta de familiaridade com o processo recuperacional legal) fazem parte da tomada de decisão de recorrer ou não ao instituto da recuperação judicial, o que pode, em parte, justificar o descompasso observado no ano passado.
Ao contrário de 2019, em 2020 foram adotadas medidas especiais para mitigar os efeitos da crise provocada pela pandemia que, por sua vez, podem ter contribuído para a protelação de um bom número de pedidos de recuperação.
Outro fator que pode ter influenciado na redução dos pedidos de recuperação judicial em 2020 é a alternativa de se requerer uma recuperação extrajudicial, que tende a ser melhor vista por credores (especialmente os bancos) e clientes / credores em geral, não expondo a empresa devedora ao estigma de estar “em recuperação judicial”.
Os próximos meses serão críticos para a sobrevivência de muitos negócios. Além de manter a esperança, faz-se necessário o planejamento dos negócios e conhecimento da real situação financeira e patrimonial das empresas, bem como do perfil do endividamento.
Mais informações sobre o número de pedidos de recuperação judicial:
∙ https://exame.com/economia/apesar-da-crise-pedidos-de-recuperacao-judicial-no brasil-caem-7/
Porto Alegre, 28/09/2020.